Dono de uma trajetória única e exemplar, Cacá Lopes é sinônimo de quem venceu as intempéries da vida pelo suor e inspiração. Quando o conheci, no finais dos anos 80, era um militante apaixonado pelas causas nas quais estava envolvido: o MOVA (Movimento de Alfabetização de Adultos), desenvolvido por Paulo Freire e disseminado pela administração da então prefeita Luiza Erundina; o Movimento Cultural de Guaianases, da qual eu também fazia parte; e o Movimento 1º de Maio, também de Guaianases, de cunho social e que era dirigido por outro incansável, o seu Jaime Cavalcanti.

Desde então o Cacá que acompanho tem sido um mosaico de vitórias constantes. Como apresenta uma paralisia no braço esquerdo, desenvolveu um modo peculiar e inédito de tocar violão, colocando-o no colo e teclando-o como se fosse um piano. Mas longe de mim querer incensá-lo pela sua inovação musical apenas. O caro é pura poesia, pesquisador e labutador de suas raízes e, dono de uma simpatia ímpar, faz uma grande diferença no ambiente aonde chega.

Apesar de morarmos relativamente próximos, tive que fazer esta entrevista via e-1/2, já que nossas agendas não permitem muitos encontros. Vamos ver se conseguimos nos ver hein, meu caro, nem que seja em algum de seus shows, sempre pontuados por ótima música, letra e paixão pela arte.

1) Queria que você falasse sobre a questão física, suas limitações e de como você supera isso com sua música:

Apesar da limitação física devido a um atrofiamento no braço esquerdo quando criança, me considero um vencedor, pois há tempos superei e consigo debulhar a minha viola com uma técnica incomum, e mostrar pras pessoas que quando se tem um objetivo na vida, tudo é possível, basta acreditar e ter atitudes positivas.

2) Sua trajetória musical sempre deixou às claras a visão de um artista preocupado com o mundo que o cerca. Quando se deu conta de que sua música poderia ajudar “a mudar o mundo”?

Desde o começo da carreira. Um dia ainda lá em Araripina-PE, minha aldeia, ouvi no Programa Fantástico a cantora Diana Pequeno interpretando a Versão de “Blowin´ In The Wind”, de Bob Dylan e pirei; falei pra mim mesmo “é esse tipo de música que quero fazer”, um som que possa contribuir com o planeta, com letras bem pensadas, fortes em conteúdo.

3) E quando você começou sua “carreira” musical de modo mais objetivo, profissional?

Comecei em 1984, com o lançamento de um compacto simples, com as músicas “Brilhar” e “Você Que Sonha”, de minha autoria, uma raridade, só foram feitas mil copias. Esse disco foi gravado no Estúdio Mosh em São Paulo, que na época ainda não era o top que é hoje, e teve produção de Hélio Santistebam do Grupo Pholhas.

4) Como foi sua chegada em Sampa? Qual foi o grau de estranhamento?

A chegada na metrópoles foi impactante. Fui morar com parentes, um tio, na rua Andes, em Lajeado, Guaianases; e o que mais doía era a
saudade da familia que havia ficado no sertão. Escrevi e recebi umas
30 cartas, único meio que encontrei pra amenizar a separação. Foi
nessa época que comecei a participar de programas de calouros na tv.

5) Como foi sua chegada ao Movimento Cultural de Guaianases? Foi ali que sua carreira se desdobrou, ou já tinha alguma consistênciaanterior?

A consciência cultural fui adquirindo aos poucos, quando comecei a participar do Movimento Cultural do Bairro, e a militar nos movimentos populares, nas questões sociais. Com o passar do tempo, fui assumindo uma identidade artística, vindo a optar depois pela unificação da música e a literatura de cordel, na cultura popular.

6) Você tem desenvolvido uma carreira com várias parcerias, e em especial com o cordelista, escritor(e raulseixista nato) Costa Senna.Conte-nos como se deu o encontro de você dois:

Sim, já são 14 anos de parceria com o “Cidadão Paulistano”, Costa Senna. Depois de tanto atuar junto a ele, comecei criar e publicar meus próprios trabalhos em cordel, e a partir desse ano (2009), a parceria será apenas nas composições. Ele faz o texto e eu a música. No Projeto “Cordel nas Escolas”, a partir desse ano, cada um vai “prum” lado.
Tenho mais duas parcerias importantes: uma é com a ONG CENPEC de
Pinheiros, que já dura 3 anos. A outra é com a AVIB – Associação dos Voluntários Integrados no Brasil – com sede no Lajeado, Guaianases, com apoio da multinacional Ericsson no “Projeto Jovem Parceiro”.

7) Parece-me óbvio que você tenha levado mais “música” para a vida do Costa Senna, e ele tenha trazido mais “literatura” para sua vida…

Acredito que sim, houve uma troca. O poeta virou cantor e o cantor virou poeta. Só que tá tendo uma cobrança pra que fortaleça mais a música, o que vou fazer esse ano, com mais apresentações com banda.

8) Quantos discos você já tem gravados? Quais os próximos shows? O que você tem programado para este ano?

Tenho gravados 5 CDs solos, 2 compactos e um disco em vinil, o famoso long play. Primeiras agendas serão após o carnaval, tenho apresentação na UNG (Universidade de Guarulhos, SP), no Espaço Cultural Paulo Freire, e outros a confirmar. O projeto principal para este ano será a publicação do meu primeiro livro, sobre a memória do lugar onde nasci, chamado “Araripina em Cordel – Lendas e Tradições”, com lançamento previsto para o mês de setembro, aniversário da cidade.

9) Na sua música mais conhecida, “Sonhos e Mitos”, tem um verso enigmático assim: “E pro Nobel da Paz, os mendigos da nação”. Explique-nos o processo de composição desta música e em especial deste verso tão sintomático:

Realmente “Sonhos e Mitos” é considerada a pérola das minhas composições. Um dia vi uma promoção de livros autobiográficos da Editora Martin Claret, e como estava fazendo aniversário, 28 anos, me presenteei com vários deles. Naquele dia, depois que os li, surgiu a idéia de compor esta música. Na frase “e pro Nobel da paz, os mendigos da nação”, devo ter me inspirado em Cazuza, ao cantar “meus heróis morreram de overdose…” é um daqueles achados poéticos, uma viagem…

10) …que remete automaticamente aos questionamentos que fazemos diariamente, e o artista mais ainda. Você “se pergunta” muito, tipo “o que posso fazer?”, ou “para onde este mundo está indo?”?

O negócio é seguir tocante em frente, tentando driblar os modismos, a mídia de consumo, e as mulheres-melancias da vida. O tempo é o senhor da razão e o planeta baqueado mostra suas cicatrizes.

Escobar Franelas
Publicado no Recanto das Letras em 13/03/2009
Entrevista CACÁ LOPES (Música & Movimentos Sociais) – SP
Código do texto: T1484978